Carta aberta Madalena Anastácia para a Rede Ma(g)dalena Internacional

Carta abierta de los colectivos Madalena-Anastácia a la Red Ma(g)dalena Internacional

A reflexão fundamental a ser feita é perceber que, quando pessoas negras estão reivindicando o direito a ter voz, elas estão reivindicando o direito à própria vida. (Djamila Ribeiro, p.43)

 

“E não me calei, e não me calei

Sou forte guerreira, eu sou

E não me calei, e não me calei.”

(Trecho de Canção de Composição Coletiva da Rede Madalena)

Nós, Mulheres negras de diversas partes do mundo, formamos também a Rede Madalena-Anastácia a fim de lutar contra o patriarcado e o racismo que atravessam e estruturam todas as relações. A Rede é composta pelos coletivos: Madalena-Anastácia Rio, Madalena-Anastácia Berlim, e Madalena-Anastácia Pernambuco, que compõem a Rede Internacional Ma(g)dalena de Teatro das Oprimidas.

Compactuamos com o que afirma o Manifesto da Rede Ma(g)dalena Internacional (2016) quando diz:

Juntas queremos fazer real o sonho de uma sociedade baseada na justiça, livre da ideologia capitalista, de competição, de exploração da pessoa humana e de destruição da natureza. Uma sociedade sem racismo, sem machismo, sem homofobia, sem lesbofobia, sem estereótipos ou mandatos sociais. Uma sociedade sem patriarcas, na qual seja possível reinventar e multiplicar os espaços de poder e diversificar quem os ocupa. [grifos nossos]

Acreditamos ainda, segundo o manifesto, que «(…) Estamos em processo de autoconscientização e de reflexão sobre a nossas reproduções estereotipadas. Estamos em pé de guerra para derrubar qualquer pensamento ou ação que nos una aos poderes de subordinação tanto em nossos espaços quanto no mundo». Por isso mesmo, nos sentimos implicadas a nos posicionar discutindo, questionando, revelando e revendo práticas já “naturalizadas”, inclusive dentro da Rede. Ou seja, como diz o próprio manifesto:

● » Nos recusamos a reproduzir as opressões «naturalizadas»»;

● » Lutamos para terminar com os privilégios e ser livres e também para reconhecer os próprios e transformá-los”;

● “Lutamos para criar novas formas de nos relacionarmos a partir da sororidade e da organização respeitando os processos individuais e coletivos»;

● » Recusamos práticas elitistas e trabalhamos para criar alianças por mim por nós e pelas outras». 139

Trabalhar com o Teatro das Oprimidas na perspectiva de reconhecimento e valorização das diferenças exige um esforço ético e solidário de não reproduzir as estruturas de poder inclusive entre mulheres. Podemos citar como exemplo desse esforço a preocupação crescente em ampliar a diversidade étnico-racial na Rede Ma(g)dalena entre o seu primeiro e segundo festival. Ao observar-se que a rede é composta majoritariamente por mulheres brancas e/ou são essas que se deslocam mais facilmente até mesmo por conta da estrutura de poder procuramos juntas possibilidades de diversificação desses espaços.

Mulheres negras, por exemplo, possuem uma situação em que as possibilidades são ainda menores – e, sendo assim, nada mais ético do que pensar em saídas emancipatórias para isso, lutar para que elas possam ter direito a voz e melhores condições. (RIBEIRO, Djamila. 2017, p.43)

Ao mesmo tempo, quando não se questiona o lugar social que curingas e ministrantes de oficinas ocupam, ações recorrentes que acabam por reforçar o racismo, vai-se a contramão de “reinventar e multiplicar os espaços de poder e diversificar quem os ocupa” (manifesto). Ou seja, acaba-se por se menosprezar (deslegitimar?) o lugar social, reproduzindo a estrutura de poder.

Enquanto Rede Ma(g)dalena, acreditamos que se reproduz a dominação quando, por exemplo, um homem é curinga de um grupo só de mulheres ou quando ele substitui uma mulher no fórum, pois não é este o lugar social que ele ocupa, o que normalmente deslegitima as ações de nós mulheres, culpabilizando e responsabilizando as oprimidas (ou vítimas?). Entretanto quando uma mulher branca (que pode agregar ainda outros privilégios como econômicos, geográficos, estruturais) é curinga em diversos contextos, ministra oficinas, laboratórios para mulheres negras, sem compartilhar experiências e diálogo com outras mulheres negras já praticantes do método, considera-se aceitável. Acreditamos na interseccionalidade entre relações de classe, gênero e raça que se entrelaçam para criar opressões e privilégios. Ao não se considerar o fator raça como estruturante nas relações de poder, reproduz-se novamente a dominação.

Enquanto rede, devemos nos posicionar contra ações racistas que reproduzem as estruturas de poder, de manutenção de privilégios e reforço de invisibilidade das mulheres negras. Não toleraremos mais reprodução de práticas racistas, disfarçadas de discurso de igualdade, de que tudo pode e de que a atuação, por si só, dá conta da diversidade.

Madalena-Anastácia

Janeiro de 2018, Rio de Janeiro, Pernambuco/Brasil, Berlim/Alemanha.

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